Tuesday, October 20, 2009

As Eleições Portuguesas e o Actual Panorama Político-Partidário Brasileiro

AS ELEIÇÕES PORTUGUESAS E O ACTUAL PANORAMA POLÍTICO-PARTIDÁRIO BRASILIERO



O que há de semelhante entre os resultados das legislativas portuguesas de 27 de Setembro de 2009 e o actual cenário político-partidário brasileiro? Basicamente, o fim da tendência para a bipolarização dos respectivos sistemas políticos, em função da perda de poder dos grandes partidos e da subida dos partidos de médio porte. Em Portugal, o Centro Democrático Social – Partido Popular (CDS-PP), o Bloco de Esquerda (BE) e o Partido Comunista Português (PCP). No Brasil, o Partido dos Trabalhadores (PT). Paralelamente, a manutenção dessa bipolarização nas eleições para os níveis inferiores de governo, nos quais os grandes partidos continuam a dominar, tanto em Portugal como no Brasil.
Na verdade, nas legislativas portuguesas, os resultados somados dos dois maiores partidos, o Partido Socialista (PS) e o Partido Social Democrata (PSD) dão cerca de 65% dos lugares da Assembleia da República – o resultado mais baixo destes partidos desde a década de 1980, quando foi formado o bloco central. Como sucede no Brasil, onde os dois maiores partidos, o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) e o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), perdem força desde a primeira vitória eleitoral de Lula, em Outubro de 2002.
É verdade que, tendo perdido as presidenciais em 2002, o PSDB conseguiu manter relativa força nas eleições estaduais, ganhando o governo de importantes estados como São Paulo (terceiro mandato consecutivo), Goiás e Minas Gerais. Voltando a ser derrotado nas presidenciais de 2006, o PSDB saiu porém com 66 deputados e 14 senadores no Congresso Nacional, além de 6 governadores (São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Alagoas, Paraíba e Roraima), obtendo, nas eleições municipais de 2008, a segunda maior votação proporcional em todo o Brasil, elegendo, no total, 790 prefeitos.
O PMDB, por seu lado, ainda que seja o maior partido político brasileiro – não tendo, porém, eleito nenhum presidente da República por voto directo – tem vindo a perder expressão desde a vitória presidencial do PT. Os rostos do PMDB de hoje são quase todos nacionalmente desconhecidos, muitos deles oriundos de redutos eleitorais e não de plataformas sólidas. O PMDB de hoje pouco tem a ver com a época áurea da liderança de Ulysses Guimarães, transformando-se numa federação de lideranças regionais sem expressão.
A perda de força do PMDB é também visível no PSDB de Fernando Henrique Cardoso desde a primeira eleição de Lula para presidente da República. O reforço do PT encobre a força do PMDB e do PSDB de outrora. Assim como, em Portugal, a perda da maioria absoluta do PS (o único partido, note-se, que nestas legislativas perdeu deputados) e a derrota do PSD devem-se ao fortalecimento dos partidos médios.
Na realidade, desde 1991 – quando Jorge Sampaio perdeu as eleições para Cavaco Silva – que o PS não tinha um resultado eleitoral tão fraco em legislativas, embora tenha recuperado da pesada derrota sofrida nas eleições europeias do início de Setembro de 2009, em muito resultado da mudança no discurso, na prática e no estilo de se apresentar aos Portugueses. Mas os 36,56% dos votos, correspondentes a 96 deputados, estão longe dos 121 lugares de 2005.
É também notório que o PS venceu porque o PSD (que obteve 29,09%) não conseguiu convencer muitos dos descontentes com Sócrates, que optaram pela direita do CDS-PP (com 10,46%) e pela esquerda do BE (9,85%), não tendo conseguido mobilizar o seu tradicional eleitorado, que optou pela abstenção – 39,4%[1].
Por outro lado, a estratégia de Manuela Ferreira Leite para a campanha não terá sido a mais adequada, ao fugir deliberadamente ao marketing que hoje domina a cena política nacional (e não só) e ao optar pelas acusações ao PS – em lugar de aclamar o PSD. É bem verdade que a liderança de Ferreira Leite foi uma última escolha para o partido, e que ela assumiu, não com o objectivo de chegar a São Bento, mas de salvar o PSD do populismo. O que se torna evidente com a brecha que ela própria deixou abrir ao não deixar claro, no discurso de derrota, se continuaria, ou não, na liderança do PSD depois das autárquicas de 12 de Outubro.
Quem teve uma grande vitória nestas legislativas portuguesas foi o CDS-PP de Paulo Portas (com 10,46%, o que equivale a 21 deputados e a quase 600 mil votos); foi o melhor resultado do partido nos últimos 26 anos.
Portas conseguiu trazer de novo o CDS-PP para a condição de terceiro partido mais votado e, sobretudo, conseguiu fazer eleger um número de deputados suficiente para não poder ser ignorado pelo PS.
A questão, agora, é saber o que Portas fará com esse poder: se regressará ao tempo dos acordos pontuais com o PS, como na era de Guterres e de Manuel Monteiro (o que é improvável); ou se exigirá mais, designadamente participar no governo, fazendo o PS coligar-se com o CDS-PP, uma forte hipótese, já que os 21 deputados eleitos formam maioria com os 96 do PS. E a história da política portuguesa tem demonstrado que governos sem maioria não duram, ainda para mais se tivermos em conta as constantes dificuldades na aprovação do Orçamento de Estado, o que seguramente levará o PS a negociar com o CDS-PP.
Efectivamente, outra questão que agora se põe é a forma como Sócrates formará o seu governo. O PCP e o BE cresceram bastante e, sobretudo, cresceram à custa de eleitores tradicionais do PS. Mas uma aliança do PS com o PCP e o BE é indesejada, não só porque não conferirá maioria ao novo governo, como também porque os empresários portugueses logo se levantaram contra essa possibilidade, designadamente através da voz de Francisco Vanzeler. Uma aliança entre o PS e o PSD conferirá maioria ao novo governo, mas este é um cenário pouco provável, que levaria o PS a um destino semelhante ao SPD alemão que, no mesmo dia das legislativas portuguesas, sofreu uma pesada derrota à esquerda e terá de coligar-se à direita.
Mas há outros factores que influenciarão o futuro próximo em Portugal. Em primeiro lugar, gerir as tensões que se seguirão, a partir daqui, até às presidenciais. Depois, gerir as relações dos três homens que, a partir deste momento, terão de tomar as decisões centrais para assegurar um mínimo de governabilidade: Cavaco Silva, José Sócrates e Paulo Portas.
Em todo este contexto, a análise leva-nos à conclusão anterior. O PS de Sócrates tem duas hipóteses. Ou governa sozinho. Ou procura um acordo com outro partido parlamentar e, aqui, o CDS-PP aparece como a força mais bem posicionada, até para entendimentos parlamentares.
No Brasil, vale lembrar o contexto de criação do PMDB (fundado em 1980 com orientação política centrista), do PSDB (fundado em 1988 por importantes figuras do cenário político brasileiro, a partir da dissidência do PMDB especialmente de São Paulo e Minas Gerais) e do PT (fundado em 1980, mas apenas reconhecido oficialmente como partido político pelo Tribunal Superior de Justiça Eleitoral a 11 de Fevereiro de 1982). E tudo resulta da abertura política iniciada pelo presidente Ernesto Geisel e prosseguida por João Baptista de Oliveira Figueiredo.
De facto, apesar das graves dificuldades económicas e do quadro de crise social em que o Brasil vivia, o presidente Figueiredo prosseguiu com a abertura política iniciada por Geisel, ainda que esse processo continuasse – tal como no tempo de Geisel – a ser perturbado pela acção da linha-dura, que adoptava, agora, práticas violentas. A linha-dura fazia explodir bombas em jornais da oposição, na sede da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, ao mesmo tempo que raptava e espancava personalidades da Igreja Católica ou ligadas a ela[2], tendo os actos criminosos da linha-dura culminado com a tentativa de explodir bombas no centro de convenções do Rio de Janeiro Riocentro, a 30 de Abril de 1981, quando aí se realizava um festival de música.
Na realidade, não obstante a abertura política prosseguir, a oposição da linha-dura vinha ganhando terreno já desde o tempo de Geisel. E era muito apoiada pela própria legislação eleitoral existente, até porque a Lei Falcão, ainda vigente, atingia tanto a oposição quanto a ARENA – partido governamental que sustentara o regime militar instaurado pelo golpe de 1964. Por isso, Figueiredo, logo em 1979, procurou alterar essa legislação.
Com efeito, a legislação eleitoral de 1965, a que estava então em vigor, tornava-se uma armadilha para o poder, transformando, cada processo eleitoral, em votações contra ou a favor do desempenho do governo. Para tentar reduzir a força da oposição, e aproveitando a divisão que grassava no seio dessa oposição, em torno do Movimento Democrático Brasileiro (MDB, partido da oposição durante o bipartidarismo, contra o partido situacionista, a ARENA), Geisel obteve do Congresso, em Dezembro de 1979, a aprovação da Nova Lei Orgânica dos Partidos. De acordo com esta, eram extintos o MDB e a ARENA e, no lugar destes, criadas novas organizações partidárias que tinham obrigatoriamente de incluir no nome a palavra «Partido».
Neste sentido, a ARENA transformou-se no Partido Democrático Social (PDS) e o MDB acrescentou a palavra que lhe faltava, transformando-se no Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB).
Porém, os tempos de uma oposição unida em torno de um inimigo comum haviam desaparecido, ao mesmo tempo que esse inimigo comum se ia flexibilizando em função da abertura política. Assim, ao lado do PMDB surgiram diversos outros partidos políticos de oposição. Em torno do sindicalismo, de sectores da Igreja e da classe média, surgiu o Partido dos Trabalhadores (PT), propondo-se representar os interesses dos assalariados do Brasil. O PT adoptava uma postura distante do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e do socialismo sovietista, até porque, no seu interior, havia uma facção de simpatizantes da social-democracia e uma outra mais radical, esta sim partidária da ditadura do proletariado. Havia, ainda, uma facção ligada ao sindicalismo do ABC paulista; movimento que ganhava cada vez mais adeptos e importância dentro do PT, em torno da figura do metalúrgico Luiz Inácio da Silva, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo.
Leonel Brizola também preferiu criar uma agremiação própria, desvinculando-se do antigo MDB. Tentando potenciar o prestígio que o trabalhismo de esquerda vinha ganhando no Brasil dos anos 1970, criou o Partido Democrático Trabalhista (PDT).
À direita, também a ARENA não correria sozinha. Reunindo adversários conservadores do governo, com destaque para Tancredo Neves – que havia sido primeiro-ministro no período parlamentarista – e Magalhães Pinto, era fundado o Partido Popular (PP), procurando congregar as camadas da burguesia favoráveis à transição para a democracia sem grandes mudanças. Apesar de bem estruturado, especialmente em virtude da participação de Tancredo, o PP não era, propriamente, um partido «popular», que se centrasse, como fazia crer a sua denominação, no povo, pelo que teria uma curta duração.
Mas as tensões e as dificuldades internas mantinham-se. Abatido pela impopularidade do PDS demonstrada nas eleições de 1982 e na campanha das «Directas já», Figueiredo manteve, todavia, o calendário eleitoral que previa eleições para Novembro de 1982, mantendo-se distante dos presidentes militares anteriores, que praticamente nomeavam os sucessores, entregando o processo político aos políticos, isto é, ao PDS[3]. Ainda assim, procuraria «segurar» a oposição.
Tentando limitar a margem de manobra da oposição, Figueiredo conseguiu fazer aprovar no Congresso uma medida que limitava as hipóteses de vitória da oposição. Foi ela a criação do chamado «voto vinculado», de acordo com o qual o eleitor era forçado a escolher candidatos de um mesmo partido para os vários níveis de governo, de vereador a governador. O eleitor não poderia mais escolher, para os vários níveis de governação, candidatos de diferentes partidos políticos, como sucedera até então. O objectivo desta medida era favorecer o PDS, já que este era mais forte no âmbito municipal. Esperava-se que o voto dos eleitores para vereador, atribuído geralmente ao PDS, levasse ao voto dos mesmos nos restantes níveis governamentais, designadamente para governador, sendo de ressaltar que seriam as primeiras eleições directas para governador desde 1965.
Percebendo as fracas hipóteses de vitória em função da nova medida, o PP decidiu dissolver-se e agregar-se ao PMDB, em 1982[4].
Os resultados foram favoráveis ao governo. O PDS venceu no Senado e na Câmara dos Deputados e, embora tenha perdido nos estados mais importantes, conseguiu eleger governadores na maioria deles. De facto, ainda que o PMDB tenha eleito os governadores dos estados mais importantes: de São Paulo (Franco Montoro), de Minas Gerais (Tancredo Neves), do Paraná (José Richa) e do Rio de Janeiro (Leonel Brizola), facto é que a divisão entre o PMDB e o PDT enfraqueceu a oposição, facilitando o êxito do governista PDS na maioria dos estados.
A manutenção das eleições indirectas para presidente da República, em função do carácter directo das mesmas para o nível de governador, começou a incomodar seriamente os políticos da oposição, que passaram a reivindicar eleições directas também para a Presidência da República.
Assim, no decurso de 1983, o PT assumiu como prioridade promover uma campanha pelas eleições directas para presidente da República, que logo seria abraçada pelos restantes partidos brasileiros, sindicatos e população, adquirindo um carácter de movimento popular, ultrapassando as organizações partidárias e ganhando uma quase unanimidade nacional. Porém, a emenda que previa a alteração da Constituição nesse sentido, a Emenda Dante de Oliveira (por ter sido apresentada pelo deputado Dante de Oliveira, do PMDB do Mato Grosso) não foi aprovada no Congresso, mantendo-se a eleição presidencial através do Colégio Eleitoral, o que provocaria grandes alterações políticas no Brasil, especialmente pela escolha de Paulo Maluf, pelo PDS, como candidato do governo à sucessão presidencial.
A escolha de Paulo Maluf pelos militantes do PDS, em Agosto de 1984, provocou uma cisão no partido. Na verdade, já em Julho Aureliano Chaves havia desistido da corrida pela indicação e passara a trabalhar, com Tancredo Neves[5], na organização de uma dissidência que apresentaria o candidato da oposição às presidenciais de Janeiro de 1985. Com a escolha de Maluf, Aureliano e outros fundaram, imediatamente, o Partido da Frente Liberal (PFL, actual DEM), sendo de ressaltar que também o senador por Pernambuco, Marco Maciel, havia deixado o PDS.
O PFL aproximou-se do PMDB para juntos lutarem pela vitória dos candidatos que haveriam de apresentar à Presidência e Vice-Presidência da República. Os dois partidos políticos chegaram a acordo e formaram a Aliança Democrática, em oposição a Paulo Maluf. Lançaram o nome de Tancredo Neves para presidente e o de José Sarney para vice-presidente. O PMDB teve muitas reservas em aceitar o nome de Sarney proposto pelo PFL. Sarney havia sido da UDN, senador pela ARENA e era agora uma das principais figuras do PDS. Se bem que fizesse parte da dissidência do PDS que levara à cisão deste partido político e à formação do PFL, muitas reservas circulavam pelo PMDB em torno da indicação de Sarney para vice-presidente. O PFL foi intransigente na indicação de Sarney e o PMDB cedeu para se alcançar o acordo. A 15 de Janeiro de 1985, a lista encabeçada por Tancredo Neves saía vitoriosa do Colégio Eleitoral, com 480 votos contra 180[6]. O PT absteve-se de votar, como forma de protesto pelas eleições continuarem a ser indirectas. O PFL e o PMDB votaram em Tancredo, assim como o PDT, embora não integrasse a Aliança Democrática. Também políticos conservadores, que permaneciam no PDS, como António Carlos Magalhães, ex-governador da Bahia, votaram em Tancredo, conduzindo à estrondosa vitória deste no Colégio Eleitoral, sobre Paulo Maluf.
A democracia regressava ao Brasil, com o fim do regime militar. A partir daqui, o cenário político brasileiro viveria uma bipolarização entre o PMDB e o PSDB, que formavam alianças várias – como a que, em Novembro de 1986, entre o PMDB e o PFL, que apoiava o presidente, venceria nos principais estados do país.
A entrada em cena de Fernando Collor de Mello alteraria, a partir de certo momento, este estado de coisas. Ele havia sido eleito governador de Alagoas pelo PMDB em 1986, na esteira da popularidade inicial do Plano Cruzado. Mas em Outubro de 1987, defenderia (foi o único governador do PMDB a fazê-lo) um mandato de 4 anos para o presidente Sarney, o que anteciparia as eleições presidenciais para 1988. Neste contexto, as intenções de Collor de concorrer à Presidência tornaram-se realidade e ele começou a manifestar-se junto do PMDB.
Fiel à sua estratégia rumo ao Palácio do Planalto, Collor acusou o governo Sarney de ser o responsável por todos os problemas e dificuldades político-administrativas que assolavam o Brasil naquele momento, postura que o levaria a ter de abandonar o PMDB e a ingressar no inexpressivo PRN, sucedâneo do também inexpressivo Partido da Juventude (PJ). Tomada a decisão de apresentar-se como candidato às presidenciais de 1989, Collor iniciou, de facto, as diligências para viabilizar partidariamente a candidatura. Afastando-se dos partidos tradicionais, utilizou o inexpressivo Partido da Juventude, que transformou em Partido da Reconstrução Nacional (PRN) e, “desprezando o próprio passado na ARENA e no PMDB, apresentava-se como «candidato da sociedade civil» e apelava ao povo que lotava os seus comícios»[7].
Desde então, passou à condição de alternativa conservadora às eleições desse ano, cujo panorama passava por dois nomes de esquerda tidos como os preferidos dos Brasileiros: Leonel Brizola e Luiz Inácio Lula da Silva.
Apesar de ser oriundo de um pequeno estado e filiado a um partido igualmente pequeno e inexpressivo, Collor venceu e logo sentiu necessidade de compor uma base de sustentação capaz de viabilizar a implementação do seu programa de governo, que contava com o apoio de políticos do PFL, do PDS, do PTB, do PL, de partidos conservadores de menor dimensão e, ainda, de ocasionais dissidentes. A alternância, no poder, entre o PMDB e o PSDB, era temporariamente interrompida.
Assim, nas eleições para governador de 1990, os aliados de Collor, especialmente o PFL, venceram em Brasília e na maioria dos estados. O PFL elegeu nove governadores, seis dos quais no Nordeste, o que compensou as perdas sofridas em grandes colégios eleitorais como São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, sendo certo que o PRN não conseguiu eleger um único governador. Nas legislativas, o PMDB obteve a maioria na Câmara e no Senado, conservando a direcção do Legislativo para os dois anos seguintes.
O PMDB e o PSDB logo continuariam a intercalar o domínio da cena política brasileira, tendo o PSDB obtido estrondosa vitória com a eleição (e reeleição) de Fernando Henrique Cardoso para a Presidência da República.
Todavia, a difícil situação económica do Brasil no início do século XXI, em muito resultado das constantes e graves crises financeiras internacionais dos anos 1990 e do «défault» argentino de 2000-2001, reforçou a posição da oposição de esquerda para as presidenciais de 2002. Oposição centrada no até então eterno candidato e eterno perdedor Luiz Inácio Lula da Silva. A partir da eleição de FHC, Lula tornava-se a liderança incontestável da esquerda brasileira, especialmente por ter-se apresentado às eleições numa lista que tinha, como vice-presidente, Leonel Brizola, que havia disputado arduamente com Lula a sua ida à segunda volta nas eleições de 1989 como adversário de Collor.
Frente a FHC, Lula tornou-se um dos principais opositores da política económica do governo, sobretudo da política de privatização de empresas estatais realizada nesse período.
A desvalorização do Real em Janeiro de 1999, logo após as eleições de 1998, as crises internacionais, as deficiências administrativas que permitiram a «crise do apagão» em 2001, e principalmente o reduzido crescimento económico do Brasil no segundo mandato de FHC fortaleceram a posição eleitoral de Lula, conduzindo-o à vitória nas presidenciais de 2002, na sua quinta tentativa para chegar ao Palácio do Planalto.
Com a esmagadora vitória eleitoral de Lula sobre o seu principal adversário – José Serra, do PSDB, escolha governista para o pleito – o PT ampliou a sua representação parlamentar, tornando-se finalmente num partido de grande porte, embora muitos governadores contrários a Lula tenham também sido eleitos[8].
A vitória de Lula conduziu à formação de um governo de centro-esquerda, tendo-se o PT aproximado dos valores e do discurso próprios do «establishment brasileiro» e, contrariando a esquerda (hoje apelidada de radical) do partido, aproximou-se da ala liberal-desenvolvimentista do governo FHC. O PT de Lula, ante a necessidade de construir uma coligação governamental, aproximou-se do centro, aliando-se ao Partido Liberal e fazendo do grande empresário da indústria têxtil, José Alencar, vice-presidente, numa tentativa de convencer os empresários do projecto moderado que apresentava. Lula aliou-se, ainda, à direita, erigindo entendimentos com o PMDB e com o PP, último vestígio da extinta ARENA. Assim, O PMDB ficou com os Ministérios das Comunicações, Minas e Energia e Previdência Social, enquanto lideranças outrora próximas de FCH também se aproximaram do novo PT, vindo José Sarney e Renan Calheiros (por duas vezes) a ocupar a Presidência do Senado entre 2003 e 2007.
Finalmente, Lula fazia do PT um partido de grande porte, colocando um ponto final nos enfraquecidos «grandes» PSDB e PMDB. E, de facto, desde a eleição de Lula, o PT tem conhecido importantes vitórias eleitorais. Em 2004, nas municipais, apesar de ter perdido em importantes centros urbanos (São Paulo, Campinas, Goiânia, Ribeirão Preto e Porto Alegre), aumentaria o número de prefeitos de 187 para 411, conseguindo eleger o prefeito para a terceira cidade mais importante do país, Belo Horizonte. Nas municipais de 2008, viria a vencer em cidades importantes de São Paulo, como São Bernardo do Campo, Osasco, Cubatão e Baixada Santista. Desde 2007 liderado por Ricardo Berzoini, o PT venceria também as presidenciais de 2006.
De facto, contrariando todas as expectativas, Luiz Inácio Lula da Silva não alcançou, nas eleições de 1 de Outubro de 2006, os necessários 50% dos votos válidos mais um para reeleger-se presidente da República Federativa do Brasil, ficando-se apenas com 49%, e, por isso, teve de disputar a segunda volta com o principal candidato da oposição, Geraldo Alckmin, do PSDB, que logrou obter 42 % dos votos.
Segundo os resultados eleitorais por região, Alckmin venceu em São Paulo, por larga vantagem. Aqui, o resultado do candidato tucano foi de 54,2%, contra 36,76% de Lula. Mas Alckmin venceria, ainda, não apenas nos estados do Sul – Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul – como no Mato Grosso do Sul, onde conquistaria o seu segundo melhor resultado (56,25%), no Mato Grosso (a quinta melhor votação, depois de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, com, respectivamente, 56,61% e 55,76%), no Acre, em Goiás, em Rondónia e no Distrito Federal (com 44,11%). Lula foi esmagador no Amazonas (com 78,06% dos votos), no Maranhão (75,5%), no Ceará (71,22%) e em Pernambuco (70,93%), sendo ainda de salientar os resultados eleitorais obtidos no Piauí, na Bahia, na Paraíba e no Rio Grande do Norte, estados nos quais ultrapassou a fasquia dos 60%, beirando-a no Tocantins (58,62%) e rondando os 50% no Amapá, em Alagoas, Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro, tendo a vitória sido menos retumbante em Sergipe, onde Lula contaria com 47,33% dos votos válidos, contra os 44,36% obtidos por Alckmin.
Não obstante, a verdade é que a reeleição do presidente Lula no dia 29 de Outubro de 2006 representou, acima de tudo, a falta de alternativa apresentada pela oposição, já que a insatisfação com o presidente havia crescido assustadoramente. Sem nenhuma alternativa credível, o eleitorado optou, assim, pela continuidade. E, na composição do gabinete, Lula teve de fazer um governo de coligação que contou, desde logo, com a participação do PT, PSB, PC do B, PTD, PRB e PMDB, e com o apoio do PTB, PL e PP. A tarefa mais difícil foi a de conseguir organizar a unidade do PMDB em torno de Lula, arregimentando o presidente do partido, o deputado Michel Temer (PMDB-SP), que apoiara a candidatura do tucano Alckmin à Presidência. Quanto à participação do PT no Executivo de Lula, este afirmou sempre que o cargo mais importante (o de presidente) já lhe competia, pelo que o seu partido, no novo governo, deteve uma participação menor, em nome da governabilidade. No entanto, ainda que inicialmente se pensara que a decisão de Lula sobre o novo governo seria tomada apenas após a eleição dos presidentes da Câmara e do Senado, que ocorreu a 15 de Fevereiro seguinte, no início de Dezembro Lula resolveu não estender até Fevereiro a reforma do governo, precisamente porque tal coincidiria com as eleições para as presidências da Câmara e do Senado, fazendo-o logo em Dezembro. Para já, o governo disputava, directamente com o PMDB, o direito de indicar o presidente da Câmara. Para o Planalto, o ideal seria a manutenção de Aldo Rebelo (do PC do B de São Paulo), enquanto o PMDB exigia indicar os dois presidentes, tanto o da Câmara quanto o do Senado, por ter eleito a maior bancada nas duas Casas.
Assim, o PMDB perdeu o Ministério da Previdência Social, mas obteve os da Integração Nacional (com Gedel Vieira Lima) e da Defesa (com Nelson Jobim). Ao todo, o PMDB detém hoje seis ministérios, sendo o maranhense José Sarney presidente do Senado e o paulista Michel Temer presidente da Câmara dos Deputados e do próprio PMDB.
No segundo governo Lula houve, desde logo, melhores condições de governabilidade, em função da alteração da correlação de forças nos governos estaduais: o PFL (DEM) já não tem governadores influentes e os dois principais governadores do PSDB, de Minas Gerais e de São Paulo (os dois maiores estados do Brasil) estão desunidos em função da disputa presidencial de 2010, embora se possa apontar, nas eleições de 2006, a visão de longo prazo do PSDB, já que, percebendo as fracas hipóteses de vitória nessas eleições, guardou, para dali a quatro anos, Aécio Neves, aquele que, à época, se apresentava como o candidato forte do PSDB para suceder Lula em 2010 – ainda que, até hoje, o partido não tenha indicado nenhum nome.
Na realidade, este é o tema central da actual política interna brasileira, à medida que, economicamente, o país se fortalece e a sua credibilidade internacional aumenta.
É evidente que os sucessivos escândalos enfraquecem a posição do governo. Em todo o caso, o PT divulgou já o nome da chefe da Casa Civil da Presidência, Dilma Roussef, como a candidata do partido para a sucessão de Lula nas presidenciais de 2010. Do lado da oposição, o PSDB ainda não se decidiu se optará por José Serra ou por Aécio Neves, enquanto o PMDB ainda não indicou nenhum nome.










[1] A abstenção nestas legislativas é uma questão curiosa. Abstiveram-se 39,4% dos eleitores, contra os 35,74% em 2005. É preciso, todavia, ter em conta, nas eleições do passado dia 27 de Setembro, o peso dos «eleitores-fantasma», por terem sido automaticamente recenseados todos os cidadãos inscritos no arquivo nacional de identificação, em função da criação do cartão do cidadão. Ou seja, o aumento da abstenção pode não ser real.
[2] Note-se que, no quadro de crise social em que o Brasil vivia, o activismo político da Igreja Católica ganhava cada vez mais força, especialmente com a expansão das igrejas evangélicas entre as camadas mais pobres, ao mesmo tempo que, com fortes laços com o PT, a teologia da libertação ganhava novos adeptos. Foi justamente neste contexto sócio-religioso complexo que o papa conservador João Paulo II visitou o Brasil em 1980, recomendando ao Clero brasileiro não envolver-se em política.

[3] Cfr. KOIFMAN, Fábio (org.); Presidentes do Brasil (de Deodoro a FHC), Universidade Estácio de Sá, Departamento de Pesquisa, 1ª edição, Cultura Editores, Editora Rio, Rio de Janeiro, 2002, pp. 765.
[4] Cfr. Idem, pp. 764.
[5] A partir de Outubro de 1983, Tancredo Neves começou a procurar lideranças do PDS que pudessem apoiar a campanha das Directas Já. Assim surgiu, dentro do PDS, um grupo de dissidentes auto-denominado Pró-Directas, que mais adiante se daria corpo à Frente Liberal, a dissidência do partido do governo que garantiria a vitória da oposição no Colégio Eleitoral. Cfr. KOIFMAN, Fábio (org); op. Cit., pp. 765.
[6] Cfr. FAUSTO, Bóris, História do Brasil, Edusp, 1ª edição de 1994, 11ª edição, São Paulo, 2003, pp. 512.
[7] Cfr. Idem, pp. 829.
[8] CFR. VIZENTINI, Paulo Fagundes; Relações Internacionais do Brasil: De Vargas a Lula, 1ª edição, Editora Perseu Abramo, São Paulo, Janeiro de 2003, pp. 103.